Muito trabalho. Assim pode se resumir esses últimos meses, em que tudo ia, voltava, mas não saia do centro. Nem sequer por um segundo, nem por suas divisões. A peça era o centro de pelo menos uma boa parte dos componentes do Grupo de Teatro Moderno. E ter João como diretor é sem dúvida, uma grande satisfação, ele era a pessoa que mantinha os nossos olhos voltados para frente. Quando fomos todos selecionados em seus devidos postos, passamos a fazer um estudo com o texto que ia sendo-nos entregue. Os ensaios passaram a surgir duas vezes por semana, e as técnicas corporais aprimoradas. João nos enchia de vontade toda a vez que afirmava com ênfase que os nossos antecessores eram muito mais responsáveis e qualificados do que nós. Vontade de superar os outros, de mostrar que também éramos capazes; vontade de mostrar a João que ele não iria se decepcionar com o grupo. Essa seria a nossa gasolina. Foi o que pensei na época. Estava enganado.
O grupo mostrava uma ociosidade enorme e gritante. Era notável a falta de interesse por parte de alguns atores e a decepção por parte de nosso diretor. Não era este tipo de grupo que ele imaginava para a festa dos 60 anos do Instituto Moderno.
Arrastamo-nos por quase três meses em horários confusos e desorganizados, falta de responsabilidade, descrença e críticas. Não se poderia fazer uma aposta do que aconteceria quando as cortinas do dia da apresentação fossem abertas. Nunca havíamos trabalhado juntos. Teríamos uma apresentação em que, teríamos que vencer e sobrepujar nossas faltas e falhas. Isso não seria fácil. Fomos avançando aos poucos, descobríamos devagar a arte de interpretar e lentamente caminhávamos. Aos poucos e, talvez, tendo que apostar nas peças que tinha, João passou a elogiar-nos, é claro que as vezes ele era obrigado a ter que acreditar em nós - éramos os únicos - mas era bem verdade que nomes despontavam. Eu não conheci todo o grupo. Conheci o essencial. Comemoro hoje pelas amizades que eu consegui adquirir e pelas pessoas que eu descobri que existiam, são pessoas indeléveis.
Chegamos à última semana, cansados e carregando a incerteza de que teríamos uma apresentação brilhante. Eu pensei que depois de tantos problemas chegaríamos prontos para o Grande Dia. O Grande Dia havia chegado, porém a solução de nossos problemas não. Nós é que somos a solução de nossos problemas ou pelo menos somos o princípio. E se alguns problemas foram vencidos, deve-se ao trabalho empregado nestes. No penúltimo dia, João mostrava a segurança que o tempo traz. Nada de palavras afáveis.
Chegamos ao Grande Dia. Sempre que chegamos perto do fim e olhamos para trás admitimos que as coisas passam rápidas demais. Talvez, seja a óptica de quem está completando um percurso. Antes de subir ao palco João estava inconformado com sua mulher, ela não viria até a apresentação. Ele estava inseguro se valia a pena ter chegado até ali. Eu só observei-o. Todos nos reunimos antes de começar, fizeram preces, executaram todo ritual que antecedia a entrada em ação. João Bezerra pediu que antes do espetáculo começasse, pudesse fazer o uso da palavra. Ele queria dizer algumas verdades, que foram dirigidas a falta de apoio, a inconstância do grupo e a certeza que ele tinha que faríamos o melhor e, que éramos bons o bastante para vencer os nossos desafios. Ele foi persistente. As cortinas foram abertas: lembro-me das lágrimas nos olhos de João e do público, da voz de Camila pedindo calma, dos biscoitos do camarim e da última música de nossa apresentação. Ayron não poderia ter escolhido canção melhor, chamasse The Conquest Of Paradise. Conquistar o Paraíso. Os aplausos foram o mérito recebido pela obra executada. Não fomos perfeitos e no final nem tudo deu certo. Não devemos ser exaltados, apenas lembrados, porque nós tivemos a coragem de lutar.
Com sua permissão,
- Guto ^
The Conquest Of Paradise
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